quarta-feira, 3 de abril de 2013

Feliciano e a Contradição


A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) é centro de polêmicos debates e enfrentamentos sobre essa pauta legislativa e social no Brasil, havendo atualmente um desvirtuamento completo de seus objetivos, personificados na figura de sua presidência e vice-presidência. No caso da CDHM, tudo parece girar em torno de questões de gênero e étnicas. Mas esta radicalização atual é artificial: o que está em jogo não são apenas direitos dos homossexuais ou aborto.

Direitos Humanos procuram ter caráter universal e aplicabilidade local. E existem diversas maneiras de encará-los, como sugere Amartya Sen no início do capítulo 10 de “Desenvolvimento como Liberdade” (Crítica da Legitimidade - direitos adquiridos via Legislação; Crítica da Coerência - direitos requerem deveres; Crítica Cultural - autoridade moral dos direitos depende de naturezas éticas aceitáveis). É justamente estas divergências e contradições que “Pastor e Profeta” e seu Partido Social Cristão jogaram para o lixo, com patrocínio geral dos políticos do Congresso Nacional, ao monopolizar o CDHM.

A CDHM é uma estrutura da Câmara dos Deputados[1], criada em 1995, com o objetivo de trazer a Agenda dos Direitos Humanos e das Minorias para o cenário jurídico e político do Brasil. Elas são a porta de entrada de temas e assuntos para o Congresso, muitos deles podendo ou não se tornar leis e políticas públicas. Tem a participação de 18 integrantes e respectivos suplentes.

Tem por objetivo contribuir para: (...) a afirmação dos direitos humanos. Parte do princípio de que toda a pessoa humana possui direitos básicos e inalienáveis que devem ser protegidos pelos Estados e por toda a comunidade internacional. Tais direitos estão inscritos em textos e diplomas importantes de direitos humanos, que foram construídos através dos tempos, como são, no âmbito da ONU, a Declaração Universal dos Direitos  Humanos (1948) e, no âmbito da OEA, a Declaração Americana de Direitos Humanos (1948). (Página Eletrônica da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados).

Quer dizer, o conceito de Direitos Humanos e de Minorias inscrito na Constituição brasileira são resultados do processo histórico, político e social de nosso país em interconexão com o contexto internacional, em constante tensão entre grupos, instituições e relações de poder que disputam a hegemonia conceitual em torno dos Direitos Humanos. Isto implica em aceitar uma categoria social sempre em transformação, dinâmica, pois resultante de uma produção conceitual mista, contraditória de ideias. Nunca terminado nem pronto e plenamente aberto a reviravoltas progressistas ou conservadoras. Eles não “crescem em árvores” (Galdino, 2005). Os avanços, em geral, surgem ou demandam um cenário político favorável ao debate e a livre circulação de ideias, com a participação da sociedade, com a exposição do contraditório, enfim, pulsantemente democrática e cidadã.
Latuf
Latuf
Milton Santos afirma, em trecho magistral de sua obra “Por uma Outra Globalização: do pensamento único a consciência global”, que no Brasil, por enquanto, nunca houve a figura do cidadão. Para Santos, as classes superiores, “incluindo as classes médias, jamais quiseram ser cidadãs; os pobres jamais puderam ser cidadãos. As classes médias foram condicionadas a apenas querer privilégios e não direitos” (p.49/50).

O que nos leva, então, ao problema da figura do Presidente da CDHM, autor de polêmicas pré-modernas: se na contemporaneidade brasileira a cidadania nunca se aproximou do “tipo ideal” proposto pela Constituição “Cidadã” de 1988, como considerar a tomada de assalto da CDHM, em que 14 dos seus 18 integrantes são parte da Bancada Evangélica oriundos do terreno religioso[2]? Se nossa Democracia está em processo, como aceitar a tomada unilateral de temas? Se o Congresso Nacional sintetiza com grandeza essas contradições e abismos entre a realidade e o tipo ideal, é possível crer democrática a presidência de Pastor e Profeta?

Se alguém afirma que interesses de feministas ou militantes homossexuais já haviam se tornado totalitários na Comissão antes do golpe promovido pelo PSC, esta pessoa é autora de uma ilação ridícula, vide avanços legislativos quase nulos no Parlamento, especialmente para a população LGBT nos últimos ano neste país, a que mais tem se destacado nas querelas contra Feliciano.

Na Comissão de Direitos Humanos e Minorias ocorreu sim um golpe, patrocinado por todo o Congresso Nacional (governistas ou oposição), na qual um grupo em busca de privilégios rompe com as correlações de força necessárias para o debate promissor em torno dos Direitos Humanos. Pior que isso, a dupla Pastor e Profeta, presidente e vice-presidente respectivamente, provém de espectros políticos que não reconhecem o tema Direitos Humanos e Minorias enquanto pauta legislativa.

Resumindo: estamos naqueles tempos em que o conceito regride, pelo seu papel vivo e contraditório. As forças conservadores e pré-modernas, mesmo que não hegemônicas na sociedade em geral, realizaram um ataque a isonomia democrática necessária de uma Comissão Parlamente, promovendo e privilegiando um visão restrita de mundo, atacando o estatuto – ao menos teórico - de uma Constituição e Estado para Todos. É como seu um Ateu fosse eleito à função de Papa com as graves implicações que esse ato traria para a Tradição. Ou como se um simpatizante do Holocausto levasse adiante uma investigação sobre o Holocausto. Nãos serve a História, apenas a farsa.

É preciso chamar a realidade; é urgente que a correlação de forças volte a ser democrática; que determinadas pautas (especialmente em torno das questões de gênero e étnicas) não nasçam mortas e tenham a possibilidade de ir adiante em votações na Câmara e no Congresso, que possam ser discutidas pelo conjunto da sociedade brasileira.  Por isso, Pastor e Profeta podem participar da Comissão, mas não como se fosse uma filial das suas respectivas Igrejas. Privilégios.
Fora Pastor e Profeta da Presidência!

Leia Mais:
Declaração Universal dos Direitos Humanos - http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm
Declaração Americana de Direitos Humanos - http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-humanos/declar_dir_dev_homem.pdf
SANTOS, Milton. Por uma Outra Globalização: do pensamento único à consciência universal”. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2010.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

[1] A Câmara dos Deputados possui 21 comissões, que atuam como órgãos técnicos temporários ou permanentes com funções legislativas e fiscalizadoras, além de promoverem debates e discussões com a participação da sociedade. http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes
[2] Que a Bancada evangélica, composta por quase 70 deputados, participe de Comissões, é Direito pleno e indiscutível! De acordo com matéria de um Portal Gospel na Internet (http://noticias.gospelmais.com.br/bancada-evangelica-mobiliza-comissoes-assuntos-polemicos-51481.html) , os evangélicos possuem, ainda, 18 integrantes na Comissão de Seguridade Social e Família (de 35 membros; responsável pelo debate sobre Família, Saúde, Direitos Reprodutivos, Etc.); na comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, são 14 integrantes (de 42; responsável pela distribuição de rádios e canais de TV, especialmente).

Um comentário:

  1. I spent here 5 minute and i find some great article, thanks for this informative information.
    http://blast-xl.tumblr.com

    ResponderExcluir